1+1=1 (Parte 1)
Por muitas voltas que desse na cama, Artur não conseguia dormir. E não era por falta de sono, pois isso ele até tinha. O calor insuportável daquela noite é que deixava qualquer um em desespero e ele já tinha feito de tudo, para finalmente adormecer e descansar depois de um dia muito cansativo. Já tinha aberto a janela toda do quarto, deixado os estores todo puxado para cima, de forma a entrar um ar fresco mas nada de ar fresco. Naquele quarto, só o calor reinava fazendo com que ele transpirasse por todos os lados. Ele também já tinha afastado os lençóis da cama, já tinha despido e atirado a sua t-shirt para um canto. E apesar de estar só de boxers, o seu corpo suava a cada novo movimento que fazia. Virava para um lado, virava para o outro. Deitava-se de barriga para baixo, de barriga para cima mas nada, não havia maneira de ele adormecer e de finalmente dar fim aquele dia. Naquele momento ele arrependeu-se por não ter investido num ar condicionado, ou pelo menos numa ventoinha para aliviar-se do imenso calor do verão. Por diversas vezes ele ouviu na rádio e na televisão que os dias que se seguiam, iam ser realmente de muito calor. Falavam em valores acima dos 38º e agora que ele pensava nisso, daria tudo por ter investido num desses equipamentos. Pelo menos agora estaria a dormir e a não ter sonhos acordados. Pois isso foi o que ele realmente achou que estava a ter, quando de repente alguém tocou à campainha da sua casa. Claro que ele nem deu importância ao toque. Achou mesmo que era fruto da sua imaginação. Pois pela sua cabeça, já tinham passado vários carneirinhos e nem por isso ele conseguiu dormir. Já tinham ainda passado vários momentos eróticos, que o chegaram até a ter uma ligeira erecção mas com aquele calor todo, até para o sexo solitário era impossível. Já tinha estendido os braços pela cama, imaginado que estava dentro de uma arca frigorifica mas nem mesmo essa sua imaginação, era o suficiente para ele não sentir o seu corpo a arder. Por isso, quando ele ouviu uma segunda vez a campainha a tocar, achou mesmo que já andava a delirar e ignorou por completo. E continuou a fazer de tudo para conseguir apagar-se por completo. Para o seu cérebro finalmente desligar-se, o seu corpo repousar e ter uma noite de sono sossegada, de forma a recarregar baterias para o dia seguinte, que prometia ser cheio de emoções.
Mas seja lá quem fosse que estivesse a bater à sua porta, esse alguém não parava de insistir. De forma seguida, tocou uma terceira vez e uma quarta e por essa altura, Artur já começava a achar que afinal ele não estava a sonhar acordado. Alguém estava realmente a tocar-lhe à porta, o que era muito estranho. Artur estendeu o braço até à sua mesa de cabeceira e de lá pegou no telemóvel para ver que horas eram e já passavam das duas e meia. O seu primeiro pensamento foi: “Será que é a Mónica?!” Mas não! Ela tinha a certeza absoluta que não podia ser ela. Antes do jantar, os dois tinham falado ao telefone e ela lhe tinha dito que iria dormir uma vez mais na casa da sua mãe. Por isso não podia ser ela e mesmo que fosse, a Mónica tinha a chave de casa. Não estaria a tocar à porta àquelas horas. Para além disso, Artur sabia que se por acaso a Mónica quisesse voltar para casa, ela primeiro teria ligado para ele ir buscá-la. Por isso não! Ele tinha a certeza absoluta que não era a sua namorada. Com certeza seria engano e por isso, o melhor mesmo seria ignorar e tentar voltar a dormir. Mas se o imenso calor já era o suficiente para o perturbar, uma campainha sempre a tocar já se estava a tornar num verdadeiro inferno. E devido à muita insistência da pessoa que tocava a campainha sem parar, não deu para o Artur ignora-la por muito mais tempo.
Chateado e cheio de vontade de esganar seja lá quem tivesse a incomodá-lo, Artur levantou-se da cama e como um zombie, disposto a devorar o cérebro de alguém, seguiu até à sala para ver quem era. Nem se deu ao trabalho de vestir uma t-shirt. Foi mesmo até à porta com os boxers, daqueles bem originais, azuis e lá bem no centro, com o símbolo do super-homem. Tinha sido um presente especial da sua namorada. Mas para ele, não fazia qualquer importância ele ir ver quem era só de boxers, ou até mesmo todo nu. Seja lá quem fosse, ele não fazia questão de abrir a porta. Tinha a certeza absoluta que tratava-se de um engano e teria que ir com calma até à porta, caso não quisesse cometer ali um crime.
Antes de pegar no intercomunicador, Artur ainda espreitou pelo buraco da porta mas não viu ninguém do outro lado. Por isso, a pessoa que continuava a insistir no toque, só podia estar mesmo na rua. Com essa certeza em mente, aí sim, ele pegou no intercomunicador, e num tom bastante agressivo perguntou:
— Quem é?
— Sou eu! — ouviu-se do outro lado da linha, uma voz masculina.
Naquele momento, cansado e praticamente sem se conseguir manter em pé, Artur odiou aquele “sou eu”. Que “eu” era aquele que tinha a ousadia de o incomodar àquelas horas da manha? Está certo que ele estava apenas deitado e nem sequer estava a dormir, mas de qualquer forma, para ele, não havia razão nenhuma de alguém estar a bater à sua porta. E ainda por cima, a dizer “sou eu” na maior das descontracções. O sangue continuou a subir à cabeça do Artur e antes que ele explodisse por causa daquela simples e parva afirmação, a pessoa do outro lado da linha continuou a falar.
— Sou eu o Miguel! Será que posso subir?
“Miguel?!” Mas que Miguel seria esse, questionou Artur para si mesmo. Apesar de na cama ainda não ter conseguido pregar no sono, naquele momento ele parecia mesmo alguém que estava a dormir em pé. Por isso, se alguém lhe dissesse que era o Miguel, o Diogo, o Raul, ou seja lá quem fosse, a reacção dele iria ser sempre a mesma.
— Mas que Miguel? — perguntou ele — Com certeza deve ser engano...
— Não senhor Artur! — disse a voz do outro lado. — Desculpe estar a incomodá-lo a essas horas mas eu só vim buscar o meu caderno.
“Caderno?!” Pensou o Artur e mais confuso ele estava. Por momentos ele pensou que de tanto dar voltas e voltas na cama, ele acabou por adormecer e nem tinha dado conta. E agora, naquele momento ele estava apenas a ter um sonho, ou talvez um pesadelo. Ele ainda pensou dizer novamente que com certeza esse tal Miguel estaria a bater na porta errada, mas só depois é que a ficha caiu. Decididamente, ele não estava dormir em pé e sim, claro que ele conhecia o Miguel. Claro que ele sabia de que caderno era esse que o Miguel falava. Ele só não queria era acreditar que aquele Miguel estava a fazer-lhe isso mesmo, a tocar à sua porta, perto das três da manha. Por isso, mantendo o mesmo tom agressivo, ou talvez ainda mais, Artur lhe disse o seguinte:
— Porra Miguel, mas tu já viste que horas são?! Achas que isso são horas de bater à porta de alguém?
— Eu peço desculpas mas eu preciso mesmo muito do meu caderno. Posso ir aí buscá-lo?
— Volta amanha, que eu dou-te o caderno, pode ser?! — disse Artur mas Miguel lá continuou a insistir.
— Por favor! Eu não estaria aqui se não fosse importante.
“Importante!” Será que seria mesmo muito importante ele ter agora o seu caderno. Por momentos Artur pensou nisso e achou que o melhor seria ele dizer novamente a Miguel, para voltar cá amanha. Mas depois, já um pouco mais desperto e a olhar para o caderno de Miguel, que ele já tinha separado e deixado na mesinha da sala para no dia a seguir entrega-lo, é que ele começou a perceber o quão importante era esse caderno para o Miguel. Artur começou a dar conta de que também já tinha tido a idade dele. Também já tinha passado pelos mesmos momentos de tensão e por isso, em vez de mandar vir com o jovem, lá acabou por ceder.
— Ok! Podes subir! — disse ele, carregando no botão do intercomunicador, para abrir a porta do prédio.
Nunca, em momento algum, Artur imaginou receber Miguel na sua casa àquelas horas. Na verdade, Miguel já era presença assídua na sua casa mas isso apenas durante o período da tarde. E naquela tarde ele até tinha estado lá e curiosamente até tinha estado lá a jantar, coisa que nunca antes tinha acontecido. Mas não! Os dois não eram amigos. Estavam quase todas as semanas juntos mas a relação dos dois, era apenas uma relação formal entre professor e aluno. É que Artur era o seu explicador de Matemática. E por sinal, era até um óptimo explicador.
Aos 28 anos de idade, Artur nunca se imaginou que estaria agora a trabalhar como operador de call center e a dar explicações de Matemática a alguns jovens preguiçosos e com dificuldades. Ao longo de toda a sua vida, ele teve sempre um único sonho: ser professor. E esse sonho surgiu quando ele tinha apenas seis anos e começou pela primeira vez a ler. Ou melhor! Surgiu quando ele começou pela primeira vez, a conseguir fazer contas de somar e subtrair. A partir do momento em que a Matemática surgiu na sua vida, ele soube de imediato o que queria ser quando fosse grande. Foi como uma paixão à primeira vista, paixão essa que fez com que ele dedicasse todo o seu período escolar, na concretização desse sonho. E com muita paixão e dedicação, Artur lá conseguiu realizar o seu sonho. Sempre foi um óptimo aluno e por isso, aos 24 anos já era licenciado e já tinha o seu diploma na mão. Um diploma que permitia ele dar aulas de matemática e assim, partilhar a sua paixão e o seu conhecimento com outros jovens. Mas infelizmente, à semelhança do que acontece com a maioria dos professores em Portugal, rapidamente Artur percebeu que tinha investido imenso no sonho errado. Aos 28 anos, ele tinha conseguido apenas, uma única colocação numa escola. E isso foi apenas por uma questão de sorte. Um professor numa escola tinha tido um grave acidente à meio do ano, e isso fez com que a escola tivesse que contratar um outro professor o quanto antes. Entre muitos candidatos, ele tinha sido escolhido mas isso nem foi o suficiente para aquecer o lugar de professor. No final do ano ele foi dispensado e nunca mais conseguiu ser colocado. Agora, aos 28 anos ele considera já não ter tempo nem dinheiro para investir num outro sonho. E para falar a verdade ele nem tem mais nenhum outro sonho. Ele vive para a Matemática e é disso que ele quer viver para o resto da vida. Por isso ainda não desistiu da carreira de professor. Continua a concorrer todos os anos para ser colocado numa escola mas enquanto isso não acontece, vai fazendo outras coisas. Como as contas surgem todos os meses e à que paga-las, ele optou por trabalhar como part-time num call center ligado às telecomunicações. Mas para além disso, que ele faz durante a manha, à tarde ele ganha mais uns trocos a dar explicações de matemática aos jovens do 10º ao 12ª ano. E o Miguel é um desses. Um jovem de 17 anos, repetente do 12º ano, que assim que conheceu Artur, começou a ver a Matemática com outros olhos.
Miguel, filho único de uma socialite, surgiu na vida de Artur através da sua namorada, Mónica. Ela trabalha num cabeleireiro em Lisboa que recebe muitas figuras públicas, muita gente com dinheiro e uma dessas clientes, é Filomena Calado, ou Filó como ela gosta de ser chamada. Devido ao talento da Mónica para tratar dos seus cabelos, Filó elegeu-a como a sua cabeleireira exclusiva e as duas, não só criaram ali uma ligação de cliente e cabeleireira, mas também de uma certa amizade. As duas conversam muito sempre que Filó vai ao cabeleireiro e foi numa dessas conversas banais, que Filó mencionou que tinha um filho, já repetente do 12º ano e que devido à preguiça e a falta de interesse pelos estudos, o seu filho corria o risco de voltar a deixar a matemática para trás. Nesse instante, Mónica não deixou escapar a oportunidade. Falou logo em Artur dizendo que ele era um óptimo explicador de matemática, caso ela tivesse interesse em contratar algum explicador. Filó na altura disse que o filho já estava a ser acompanhado por uma explicadora mas que nem por isso, ele andava a ter boas notas. Mas se havia coisa que a Mónica sabia fazer era promover o seu namorado. Ela sabia da imensa paixão que Artur tinha pela matemática. Assim como também sabia, que a taxa de sucesso com os jovens que passavam por ele, era de 100%. Os jovens que eram acompanhados pelo Artur, começavam a ver a matemática com outros olhos. Começavam a gostar, tal como ele amava a matemática. E depois de tantos elogios rasgados ao talento do seu namorado, a Mónica lá conseguiu convencer Filó a contratar Artur para dar explicações de matemática ao seu filho. E foi assim que Miguel surgiu na vida de Artur à uns seis meses atrás. Miguel deixou de ser acompanhado pela outra explicadora e passou a ser acompanhado por Artur, duas horas por semana, ou então, às vezes havia semanas em que eles estavam juntos durante quatro horas, duas vezes por semana. E essa última semana, tinha sido um desses casos.
Devido aos exames finais, que iriam ditar a nota final do ano e a possibilidade de conseguir uma boa média, ou não, para entrar para a faculdade, Miguel tinha tido explicações tanto na quarta-feira como na quinta. E amanha, sexta-feira, seria então o dia do exame. Apesar de, com as notas dos testes anteriores Miguel já ter o suficiente para conseguir ter uma nota positiva no final do ano, para conseguir ter uma boa média e assim conseguir entrar para a faculdade de medicina, que era o seu sonho, Miguel tinha que ter pelo menos, uns 18 valores no exame final. Para Miguel era impossível mas Artur acreditava nas competências do jovem. Apostou forte nele e durante dois dias seguidos, simulou com ele vários exercícios que podiam muito bem sair no exame. Durante a tarde de hoje, ao fazerem exercícios e com Miguel a acertar tudo, os dois ficaram tão empolgados que nem virão as horas a passar. A aula deveria ter terminado às 19 horas mas só pararam às 20h. E apesar de já terem feito e refeito vários daqueles exercícios, Miguel insistiu em rever uma vez mais a matéria. E como o Artur fica sempre empolgado quando vê um jovem a dar sinais de paixão pela matemática, os dois continuaram nos estudos. Mas como ambos já estavam com alguma fome, Miguel fez questão de pedir e pagar uma pizza. Ainda houve uma pequena discussão na hora de pagar, pois Artur fazia questão de ser ele, mas Miguel lá acabou por vencer nessa discussão, dizendo que era o mínimo que ele podia fazer, já que Artur estava a ajudá-lo na realização do seu sonho. E enquanto comiam a pizza e andavam em volta dos muitos números, as horas iam passando e quando já passavam das vinte e uma trinta, Artur achou que já não valia a pena continuar. Para ele, Miguel já estava mais do que preparado. Se não fosse para ter um 20, seria para ter um 19. É que para Artur, o problema de Miguel nem era mesmo o não gostar da matemática. Desde o primeiro momento em que ele começou a dar-lhe aulas, Artur percebeu que ela até gostava daquela disciplina. Percebeu ainda que ele até entendia de números. O único problema de Miguel era mesmo a preguiça. E foi nisso que Artur andou a batalhar com ele. Criava-lhe sempre um plano de estudos, para que ele deixasse essa preguiça de lado. E apesar de não ser frequente entre ele e os seus alunos, Miguel trocava muitas mensagens de telemóvel com Artur, com algumas dúvidas que entretanto surgiam ao longo da semana. Isso fez com que Artur se empenhasse a 100% em Miguel. E não era só pelo facto da mãe de Miguel, estar a pagar por essas explicações um valor acima do que ele tinha pedido e praticamente sentir-se na obrigação de fazer com que Miguel conseguisse ter boas notas. O interesse de Miguel pela matemática era o suficiente para Artur empenhar-se. E por isso, mesmo depois de terminar as explicações depois das vinte e uma trinta, depois de já estar muito cansado de um dia longo de trabalho, pois para além do call center, já tinha dado explicações a mais outros três jovens, ele naquele momento estava satisfeito com o seu trabalho.
Nessa tarde, despediu-se de Miguel, como se fosse a ultima vez que se viam, pois Artur tinha a certeza que Miguel teria uma óptima nota no exame e que por isso, já não ia mais precisar dos seus serviços. Artur desejou-lhe boa sorte e Miguel apenas informou-lhe que depois, daria noticias em relação à nota. Apesar de cansado, Artur sabia que ia deitar-se, com aquela boa sensação de dever comprido. E quando começou a arrumar a mesa de estudo, verificou então que Miguel, tinha-se esquecido de levar o seu caderno. Artur ainda foi à janela ver se ainda via Miguel pela rua mas já não o encontrou. Resolveu então separar o caderno, para no dia seguinte arranjar maneira de o devolver. Nunca, em tempo algum, imaginou que Miguel fosse bater à sua porta durante a madrugada para lhe pedir esse caderno.
Enquanto Artur esperava para que Miguel subisse os cinco andares, a pé, já que o elevador estava avariado, ele resolveu ir até à casa de banho. O tempo dele bater e não bater à porta, era o suficiente para que ele aliviasse a sua bexiga. Depois de fazer essa sua necessidade, foi até ao lavatório onde para além de lavar as mãos, molhou ainda o rosto com aquela água fria. Não só para se refrescar, mas também para ver se acordava. Depois, durante algum tempo, Artur olhou-se ao espelho. Estava com um aspecto horrível. Tinha o cabelo todo despenteado, a barba que ele teimava em não desfazer, já estava mais longa do que era suposto, tinha umas olheiras horríveis à volta do seus olhos, enfim! Ele odiou ver-se ao espelho, mas também nada fez para mudar a sua aparência. Com a toalha, acabou por limpar o seu rosto e nesse instante, ele ouviu uma vez mais a campainha tocar. Desta vez ela já sabia que era Miguel que estava em frente à sua porta, à espera de um caderno que tinha urgentemente que voltar às mãos de um dono, que pelos vistos, àquela hora da madrugada ainda tencionava rever a matéria para o exame.
Tal e qual como estava, apenas de boxers e com aquela cara medonha, Artur pegou no caderno que estava em cima da mesa e foi em erecção à porta. O plano era, abrir apenas um bocadinho a porta, entregar o caderno a Miguel, dar-lhe as boas noites e boa sorte para o exame, fechar a porta e voltar para a cama para ver se era desta que pregava no sono. Pelos seus cálculos, isso nem sequer iria demorar uns dois minutinhos.
Escondendo-se por trás da porta e dando a possibilidade de Miguel ver apenas a sua cabeça, Artur abre a porta e de imediato entrega-lhe o caderno.
— Obrigado! — disse Miguel aceitando o caderno e guardando na sua mochila. — Eu estava mesmo a precisar desse meu caderno.
— Pois então agora o tens aí! — disse Artur com um sorriso forçado. — Uma vez mais boa sorte para o exame e boa noite...
— Eu sei que é tarde. — disse Miguel interrompendo-o e nesse instante, Artur começou a perceber que as coisas, afinal não iam correr como ele tinha planeado. Agora era o momento de Miguel aceitar o boa noite e ir-se embora mas não, em vez disso, Miguel continuou a falar. — E desculpa estar a bater-lhe à porta a essas horas mas já que cá estou, será possível tirar-me uma última dúvida?
Por momentos Artur ainda achou que ele estaria ali a fazer uma piada mas o ar sério de Miguel não dava sinais disso.
— Dúvidas?! A esta hora? — perguntou Artur um pouco confuso e Miguel, apenas acenou-lhe com a cabeça. — É muito tarde Miguel. Tu devias estar em casa a descansar...
— Eu sei mas... Posso entrar? — disse Miguel dando um passo em frente e por momentos, Artur até achou que ele iria forçar a entrada, de tão próximo que estava com a porta. Mas não. Miguel não forçou a entrada, apenas deu um passo na esperança de que com isso, Artur o deixaria entrar sem hesitar mas isso não aconteceu. Artur deixou-se ficar atrás da porta tal e qual como estava e nem abriu um centímetro a mais.
— Eu tenho a certeza que essas tuas dúvidas são apenas nervos. É normal mas... vai para casa, não penses mais no exame. Apenas descansa que eu tenho a certeza que amanha vai correr tudo bem. — disse Artur convencido de que isso iria ser o suficiente para Miguel dar meia volta e ir embora mas não foi.
— Pois! Eu estou realmente muito nervoso. — disse Miguel e realmente ele estava. Havia algo de diferente no Miguel e o Artur rapidamente apercebeu-se disso. Percebeu que o Miguel que tinha saído da sua casa há umas horas atrás, não era o mesmo Miguel que estava agora a bater-lhe à porta. O Miguel de antes, tinha sido um Miguel confiante. Um Miguel sem nervos e pronto para arrasar naquele exame mas agora, o Miguel que estava à sua frente era um Miguel que não parava de tremer. Estava com os nervos à flor da pele e parecia não estar disposto a arriscar a ir embora, com a dúvida ainda por esclarecer. Sem que Artur esperasse por isso, Miguel desta vez forçou mesmo a porta com a sua mão, de forma a ver se entrava em casa dizendo o seguinte: — Por favor senhor Artur! Deixe-me entrar. Eu prometo que serei breve com a minha dúvida.
— Calma! — disse Artur, abrindo a porta contra a sua vontade. — Tudo bem! Eu tiro-te as dúvidas mas vê se te acalmas, estás muito nervoso e não há razões para isso.
Quando Artur abriu toda a porta dando passagem para que Miguel entrasse, já que essa era a sua vontade, Artur achou estranho quando Miguel, em vez de entrar, ficou parado na entrada a olhar para ele. E olhou-o de uma forma tão estranha que Artur sentiu-se muito incomodado com isso. Sem nem disfarçar o seu olhar, Miguel olhou-o dos pés à cabeça com um estranho brilho no ar. E depois de ter percorrido todo o seu corpo e de o ter despido só com o olhar, Miguel cruzou o seu olhar com o olhar de Artur, que confuso, sentiu-se mal com todo aquele momento. Artur sentiu-se mesmo nu à frente do jovem e só depois é que percebeu que realmente estava nu. Bem! Ele na verdade estava de boxers mas aquele intenso olhar, era como se Miguel o tivesse visto mesmo sem os boxers e isso deixou-o bastante envergonhado.
— Não vais entrar?! — perguntou Artur com a verdadeira intenção de fechar a porta na cara de Miguel, mas não foi isso que fez. — Eu vou só lá dentro vestir qualquer coisa e já volto.
— Espera! — disse Miguel impedindo que Artur se afastasse. E Artur ficou ali, parado à sua frente e sujeito àquele estranho olhar. Um olhar perturbador. Um olhar que comia-o com os olhos. Nesse instante, Artur talvez percebeu que o motivo do Miguel estar ali, afinal não era por causa de umas dúvidas de matemática mas sim por uma outra razão. E com isso, Artur quis mesmo afastar-se. Sair da sala e ir até ao quarto vestir qualquer coisa de forma a estar longe daquele olhar que intimidava. Mas antes que fizesse isso, Miguel acabou por ser mais rápido. Deixando a sua mochila cair no chão e com uma rapidez tal, que nem sequer deixou margem para Artur reagir, Miguel aproximou-se dele e quando Artur deu por si, os seus lábios já estavam colados aos de Miguel. As duas bocas estavam unidas e Artur conseguia sentir a respiração de Miguel junto ao seu rosto. Naquele instante, Artur não soube o que fazer. Por momentos ele ainda achou que estava realmente a sonhar. Que estava a ter um terrível pesadelo mas não. Aquele momento era real. Não seria preciso ninguém lhe beliscar para ele perceber que estava bem acordado. Os lábios húmidos de Miguel, eram o suficiente para ele ter a certeza de que estava bem acordado. E agora que ele estava a ser beijado por um jovem de 17 anos, que parecia que tinha feito de tudo para conseguir aquele beijo roubado, Artur ficou que nem uma estátua. Não sabia o que fazer. Só queria que naquele momento um buraco se abrisse no chão e o engolisse de uma vez por todas.
O beijo foi muito curto. Foi uma questão de segundos mas que para Artur, pareceu uma eternidade. E só não prolongou-se por muito mais tempo, pois passado um tempo, para além da ousadia de Miguel juntar os lábios aos seus, a mão de Miguel começou agora a acariciar o corpo nu de Artur e para ele, isso já estava a ir longe de mais. Artur afastou o seu rosto e agarrando a mão de Miguel, afastou-a do seu corpo dizendo:
— O que é que tu estás a fazer?
Miguel não se deu ao trabalho de lhe responder por palavras. Preferiu faze-lo por gestos e sem que Artur estivesse novamente à espera, Miguel não demora a roubar-lhe mais um outro beijo mas desta vez, Artur reagiu bem mais cedo e de forma mais agressiva.
— Porra! — disse Artur, empurrando-o para um canto. — Mas que merda é essa que estás a fazer?
— Eu tinha que... — tentou dizer Miguel mas Artur nem lhe deu essa possibilidade. Agarrou-lhe por um braço e empurrou-o porta fora.
— Vai mas é para casa antes que eu me irrite a sério.
— Por favor! — disse Miguel, vendo Artur chutando a sua mochila porta fora. — Vamos conversar.
— Depois disso, nós não temos mais nada para conversar.
Artur bem que tentou fechar a porta mas Miguel impediu, forçando-a com a sua mão.
— Por favor! Deixa-me falar contigo.
— Vai-te embora Miguel! — disse Artur já bastante furioso enquanto Miguel forçava a porta.
— Desculpa! Desculpa mas eu não posso! Não enquanto eu não disser tudo o que eu tenho para dizer.
— Deixa-me eu fechar a porta! — disse Artur tentando-a fechar mas sem dúvida alguma, apesar de ser bem mais jovem, Miguel tinha mais força que ele e Artur não tinha como fecha-la. Aquele forçar de um lado, e forçar do outro só chegou mesmo ao fim, quando Miguel já em lágrimas gritou.
— Eu gosto de si!
Ao ouvir isso, Artur desistiu. Largou a porta e dando uns passos atrás com as mãos à cabeça, disse:
— Não! Por favor Miguel! Hoje não! Já é muito tarde para termos essa conversa e para falar a verdade, eu nem quero ter essa conversa contigo.
— Mas eu preciso falar. — continuou Miguel já com as lágrimas a correrem pelo rosto. — Eu preciso contar-lhe que gosto de si, desde o primeiro momento em que o vi.
— Não! Não! — disse Artur tapando os ouvidos para não ouvir aquela conversa.
— Se eu fiz questão de vir aqui todas as semanas acredite, não foi pela matemática. Foi pelo senhor. Eu gosto de si! Eu estou apaixonado por si...
— Tu estás confuso! É isso...
— Não! Eu não estou! Eu amo-o.
E quando Artur ouviu-o falar em amor, aquela palavra tinha soado na sua cabeça que nem uma bomba. Artur não gostou nem um pouco de ouvir as coisas que Miguel tinha para dizer e ignorando as suas lágrimas, ignorando as suas palavras, ignorando a sua presença, Artur não hesitou em desta vez, fechar mesmo a porta na cara de Miguel e conseguiu. Sem que Migue tentasse impedir, Artur fechou a porta e naquele momento, implorou para si próprio que aquela noite chegasse finalmente ao fim e mais. Implorou para que aquela noite nunca tivesse existido.
CONTINUA...
[E esta foi a primeira parte desta minha história. O que é que acharam? Não se esqueçam de deixarem comentários com as vossas opiniões e na próxima sexta feira, um novo capítulo será apresentado...]